sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Procura-se



2010 não foi um ano ruim. Em alguns aspectos, foi ótimo. Poderia ter sido fechado com chave de ouro, não fosse o  e-mail recebido da Galeria onde estávamos (eu e Ivonete) pleiteando pauta para uma exposição no próximo ano. Nosso projeto não foi selecionado, sob a alegação de que: “ Em decorrência do número limitado de pautas, sua proposta para ocupação da galeria não foi selecionada para o ano de 2011.”

Que pena, o ano de 2011 começa com a procura de outro espaço para mostrar o trabalho produzido neste ano que se finda. Como escrevi em outra oportunidade: caio, levanto, volto a caminhar, apesar de não considerar este acontecimento propriamente uma queda, vejo-o mais como um pequeno, pequeníssimo, acidente de percurso.

Determinados espaços da cidade, em virtude das vantagens que oferecem, são muito procurados e como na Bahia há um excesso de artistas, como se diz por aí, baiano não nasce, estréia (acho que essa palavra perdeu o acento), é claro que não há lugar para todos.

Tínhamos muita confiança na qualidade do nosso trabalho e não termos sido selecionadas foi uma balde de água fria em nossas pretensões, que não são grandes no final das contas. Resta-nos, portanto, buscar outro espaço por aí que nos acolha.

Aproveito a oportunidade para desejar a todos um feliz final de ano e um 2011 pleno de saúde, felicidade e muitas realizações.

Um forte, apertado e afetuoso abraço em cada um que acompanha meu percurso e me proporciona tanta felicidade ao deixar neste espaço mensagens tão carinhosas e motivadoras.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Detalhe II





...

Meu olhar busca aflito
a serenidade do encontro
O espelho me devolve
a turbulência da dúvida
O infinito não me preenche
O vazio transborda
Negro como a escuridão
de uma noite sem sonhos

...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pintura

Do livro Relâmpagos [dizer o ver] de Ferreira Gullar, páginas 142-143.
  

Carlos Bracher
Natureza-morta com copos de leite e violino 

PINTURA

Eu sei que se tocasse
com a mão aquele canto do quadro
onde um amarelo arde
me queimaria nele
ou teria manchado para sempre de delírio
a ponta dos dedos

Ferreira Gullar

sábado, 11 de dezembro de 2010

Saudade


Por que tinha de partir tão cedo? Tantas perguntas ficaram sem resposta, perdidas para sempre. Fragmentos de histórias ouvidas há muito tempo, curiosidades... qual a origem daquele pequeno defeito no braço esquerdo, quase imperceptível mas que lhe limitava o movimento? As amigas disseram-lhe: você não vai conseguir trabalhar na fábrica de louças, a tarefa exige habilidade e rapidez. E, no entanto, foi uma das melhores funcionárias que aquela fábrica alemã já teve. E sua irmã menor, salva de uma morte horrível, queimada. Deveria fazer frio e a casa sem calefação obrigava a família a passar a maior parte do tempo na cozinha, onde ardia o fogão a lenha. As crianças sozinhas em casa. Uma fagulha talvez, a proximidade do calor, as roupas começam a pegar fogo, rapidamente as labaredas tomam conta do pequeno corpo agachado, a irmã mais velha olha e num impulso pega uma panela que está sobre a pia, com água, e joga sobre a criança. As marcas ficaram para lembrar o episódio, mas a vida foi salva, e ainda vive. O trabalho na estrada de ferro. A saída prematura de casa, em busca de uma vida melhor. A travessia do oceano, de navio, muitos dias de viagem, o baú com roupas e louças, a incerteza... Não deve ter sido uma vida fácil, certamente não foi nada fácil. Qual a hora exata do nascimento? Sem saber disso não pode fazer seu mapa astral. Os arquivos do hospital se perderam... e agora? Quais foram as traquinagens de infância que mais marcaram? Qual era a roupa predileta? E a fruta ou chocolate deixado em baixo do travesseiro, como um agrado para a criança que iria acordar e não teria a mãe por perto para lhe dar um abraço? Ela precisava trabalhar, mas se fazia presente nesses pequenos gestos, tão especiais. Ela era muito especial. Tão forte e tão frágil. Tão só. Tanta falta.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Relâmpagos

A arte deve falar por si. Não me convence a obra de arte que precisa de “bula” para ser entendida, ela deve tocar o espectador pela força da expressão. Deve surpreender o olhar, causar emoção e prescinde de tradução. O espectador deve encontrar o significado para o que seus olhos vêem e seu coração intui. O cérebro só deve entrar em cena depois que a mágica do primeiro encontro ocorre, aí então serão decifrados outros significados, surgirão detalhes antes despercebidos, instaurar-se-á a paixão e ele estará preso para sempre ao mistério da criação que inspirou o artista.

Para ilustrar esse pensamento, trago um texto de Ferreira Gullar, do livro Relâmpagos [dizer o ver], onde ele comenta trabalhos de vários artistas de forma poética e original. Em suas palavras: “Toda obra de arte atinge nosso olhar como uma inesperada fulguração, um relâmpago. Atrevi-me algumas vezes a tentar fixar esse relâmpago em palavras.”



 

MATISSE: FALAR PINTURA

Você quer fazer pintura? Comece então por cortar sua língua, para, a partir de agora, só falar com pincéis.

Esta frase de Henri Matisse resume o que ele essencialmente pensava a respeito de sua arte: linguagem única e insubstituível pela qual o artista formula o que por nenhum outro meio pode ser expresso. Uma lição que alguns artistas e críticos de hoje necessitam aprender, já que ainda não descobriram – ou esqueceram –, é a que o homem só inventou a pintura porque existe uma parte da experiência humana que não se traduz em palavras. Quando Matisse diz que o pintor deve cortar a própria língua, ele acentua o caráter não conceitual, não verbal, não literário da pintura. E isso está evidente em cada um de seus quadros, como neste Les Capucines à “La danse” (II), onde só a pintura fala: nas suas cores e na matéria delas, na pincelada áspera e sem concessões, severa, que deixa à mostra a materialidade da cor, e que esboça sumariamente os corpos humanos e os objetos, mudados na sua forma, transfigurados numa espécie de transcendência ao revés: a coisa não se torna espírito mas mancha de si mesma, quase-coisa, produto do ato de pintar. Essa é a nova realidade que os mestres do começo do século criam com as cores e os pincéis. Uma alegria outra que a experiência da arte desconhecia.

Ferreira Gullar

sábado, 20 de novembro de 2010

Além de linda ...

Dei um fim
A todos os meus emblemas
À minha carreira de amazona
À minha liberdade soberana

Te dou meu corpo, minha alma e
meu crisântemo
Porque sou sua

Você é meu senhor, você é meu querido
Você é minha orgia
Você é minha loucura, minha mistura
Você é meu pão consagrado
Meu príncipe encantado
Sou sua

Cuidado, sou italiana
Vou desanimar as mulheres
Vou amordaçar as belas sereias
Eu que sempre brinquei com fogo
Ardo por você como uma pagã
Eu que fazia os
homens dançar
Me dou a você
inteiramente

...........................................................

Trecho de Ta Tienne, a canção que Carla Bruni escreveu para Nicolas.





Não sei se a tradução é boa, mas gostei mesmo assim...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Detalhe I


A imagem a seguir é o detalhe de uma pintura que fará parte da próxima exposição. A partir de agora publicarei assim, detalhes, para atiçar a imaginação, convidar ao jogo de completar a imagem através do texto criado para ela.

Morro de vontade de mostrar a tela inteira, mas tenho que preservar o indeditismo para a exposição. Desta forma, mostro um pouco, escondo outro tanto e aí está: inventei o "tira-gosto" de arte.




Envolta em lilás
no esconderijo da solidão
Entre a luz e a sombra
Torres cinzas
Altas nuvens
A escuridão convida
ao sono do esquecimento
Virando a página da incerteza
deixo para trás o porto seguro
onde ancoro os meus naufrágios
Restos, escombros, tesouros
Segredos que só um sábio
arqueólogo de sonhos
poderá desvendar


sábado, 30 de outubro de 2010

Tríptico

 




Cidade vertical
Catedral
Encosta escarpada
Linhas que carregam
o olhar para o infinito
negro como seus olhos
vasto como o oceano
Arco-íris de concreto
Diamante multicor
Reflexos de luz
ferindo meus olhos
que insistem em buscar os seus
na vastidão dessa vida incerta
cheia de desvios e labirintos
Miríade de possibilidades
Abismo de incertezas


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Vertical






Eu não sirvo para você
Carrego mistérios e segredos que te fariam corar
Tenho medo do futuro e o presente às vezes me oprime
Sofro de uma enxaqueca que, de vez em quando,
me obriga
a procurar a escuridão
Sou romântica, sonho com "um amor desses de cinema"
Choro ao assistir filmes, notícias tristes, injustiças
Tenho um Deus particular, criado sob medida
A inteligência e a lógica me fascinam
Aprender é um vício
Considero o amor o sentimento que poderá salvar
o mundo
de si mesmo
Sou tímida e o vermelho tinge minha face com facilidade
A beleza e o viço da juventude vão sendo subtituídos
aos
poucos pela sabedoria e calma da maturidade
A arte é uma necessidade, as tintas e os pincéis me
confortam e alimentam de beleza e paz
Sonho, realizo, volto a sonhar
Caio, levanto, volto a caminhar
Sou múltipla e singular
Livre e prisioneira
Âncora e ar
Naufrágio e superfície
Eu não sirvo para você, mas sou perfeita para mim


sábado, 18 de setembro de 2010

Muro Alto








Muro alto
Onde o céu se esconde
Como se fosse eu
A me esconder
Da vida que levo
Dentro de mim
Paredes que me protegem
E me expõem
Obrigando-me a mostrar
O interior do interior
Expondo em tintas e versos
As cores que se abrigam
Nas dobras dos sentimentos
Telas recortadas em planos
Volumes e paisagens
Como se fosse eu
A desdobrar-me
Sobre o mar escuro
De uma noite sem lua
E sem estrelas


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Vermelho








Vermelho
Ver melhor
Melhor ver
O azul que se insinua
No céu
E no mar

Terra à vista
Em negras encostas
Que se derramam
E afundam mar adentro
Vão fundo como o olhar
De quem se ama
Quando olha nossos olhos
Que insistem em mentir


domingo, 5 de setembro de 2010

Fuga








Ponto de fuga
Perspectivas cinzas
Futuro no presente
Presente sem futuro
Tic-tac tic-tac
Dia após dia
Após dia
Após dia
Tédio
Morte
Solidão
Girassol negro
Do tempo perdido


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dunas








Pintar, pintar
Pincel de ar
Colorir
De azuis e verdes
Toda uma paisagem
De retas incertas
Lilás, lilases
Flores em cores
Feitas de nuvens e ar
Para compor o buquê
De estrelas brilhantes
Que vai iluminar
Minha noite escura e sombria
Onde se escondem
Todos os medos e pesadelos


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Arte e beleza








Texto de Arnaldo Jabor, publicado no Jornal O GLOBO - 11 de novembro de 2003


"Em outubro, fui a Veneza. Estava precisando mesmo de um pouco de arte, depois de dois anos sem sair, impregnado de todos os bodes do Brasil e do mundo, pois minha profissão atual é ser esponja das notícias e dos fatos que elas escondem. Oito dias em Veneza foram um banho de purificação; na água das banheiras européias boiavam escândalos da Justiça, bandidos do PCC, flutuavam balas perdidas, frases pomposas de ministros, mentiras de fisiológicos, ladrões de casaca, afundavam detritos que acumulo na dura função de comentarista. Até Sharon e Bush sumiam no redemoinho do ralo.

Mergulhei na espantosa beleza da cidade e nas obras da Renascença que atulham aquela antiga República do comércio entre o Oriente e o Ocidente e bateu-me a verdade óbvia: a grande obra de arte só floresce onde há dinheiro. Sim, puros românticos, nos palácios dos Doges, nas igrejas bizantina-cristãs, nos tetos, portais, afrescos, em tudo jorram as encomendas da vaidade dos poderosos ou dos sacerdotes de Deus, que empresavam as oficinas de artesãos, comandadas por gênios como Tintoretto, Veronese, Ticiano. Fiquei dias dentro da Scuola Grande di San Rocco, na Academia, tudo.

Depois eu fui ver a casa de Peggy Guggenheim, onde estão tesouros da arte moderna dos primeiros 40 anos do século XX. E, em seguida, fui ver a arte contemporânea na Bienal de Veneza. Assim, em oito dias eu vi a Renascença, Modernismo e "pós-modernismo", se esse nome cabe. Foi um show de contrastes que me deu uma certeza: há qualquer coisa de podre na arte contemporânea. Rosnem de ódio, netinhos de Duchamp, gritem "militantes imaginários", uivem instaladores de nada, mas há uma terrível ausência, uma "hiância", como dizia Mallarmé, um grande vazio em museus e bienais. Há uma ausência que danifica a obra de arte: a esperança. Isso mesmo: esperança. Mesmo nas obras de encomenda de duques e cardeais do século XVI, feitas por empregados que podiam ir até em cana se não satisfizessem os poderosos, havia um fervor religioso ou meramente fabril, havia um desejo de retratar uma mudança, uma fé na beleza, nos ventos novos que humanizavam a figura, que criavam a "perspectiva", uma idéia de tempo, de progresso, longe da platitude medieval. A genialidade de artistas como Tintoretto não buscava mais a representação estática de uma imobilidade submissa, mas a captação de um momento de agonia ou de triunfo, de "esperança".

Fui também à Fundação da Peggy Guggenheim, em sua casa à beira do Canal. Lá estão Picasso, Matisse, Kandinsky, Magritte, Pollock, tantos... E é também deslumbrante ver o entusiasmo da nova arte que se desenhava no início do século XX, a arte como a militância por uma beleza construtiva, o olho humano sendo enriquecido, na "esperança" de que a modernidade se aperfeiçoasse, unida às grandes utopias do século XX, como o socialismo e até mesmo o "fascismozinho" do futurismo italiano. Os artistas modernos queriam repensar o mundo nas suas formas, mesmo quando um conceito fosse deprimido, havia na forma e na atitude um desejo visível de mudança para melhor.

Depois, fui ver a Bienal de Veneza. A sensação dominante é a de um vasto depósito de lixo ou de ruínas ou de despejos da civilização. Os pavilhões de todos os países repetem os mesmos códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiúra, uma recusa de qualquer poiesis , uma clara vergonha de ser "arte", vergonha de provocar sentimentos de prazer. A fruição poética é impedida, por ser "burguesa", como se o prazer fosse uma coisa reacionária, "alienada", ignorando o "mal do mundo", que tem de ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror social e político que nos assola. O problema é que esse desejo de denúncia não deixa um espaço para algo que possa viver, renascer. É como se a própria arte fosse uma babaquice a ser evitada, na linha direta da herança mal-entendida e descontextualizada de Duchamp, o estraga-prazeres dos anos 20.

Só que o mundo mudou muito. Depois do 11 de setembro, principalmente, ficou nítido que o mundo é hoje muito pior que qualquer representação deprimida. A destruição que vemos na vida, o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, o beco-sem-saída do racismo e do fundamentalismo, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda, está muito além de qualquer "denúncia" artística; o mal é tão profundo que denunciá-lo mecanicamente destruindo a própria arte como uma "prova do crime" está virando uma ociosa cumplicidade.

A Bienal de Veneza (furada, aqui e ali, por alguns talentos individuais, claro) virou um parque temático de deprimidos, um hospital de paranóicos, um muro de lamentações inúteis. Não adianta mais "chocar" ninguém, pois nada é mais chocante que as chuvas de bombas, a miséria global e a estupidez universal do inferno de hoje. O absurdismo do pós-guerra, nos anos 50, a arte pop, todo o desespero crítico ou paródico tinham um claro alvo construtivo em sua militância. Havia esperança na angústia. Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira, a melancolia como "denúncia" de uma vida sem solução. Nada que haja na Bienal nos choca mais que uma explosão da discoteca onde morrem 300 jovens, nada é pior ou mais crítico do mundo que homens-bomba ou a África ou a lama das favelas e periferias. Nada. E, aí, vemos a verdade: a arte contemporânea está muito aquém da realidade. Que performance ou happening será mais contundente ou expressivo que a destruição de Nova York, do WTC? Que cadáver exposto dentro de garrafas ou latinhas de merda ou cavalos mortos ou latas de lixo ou ruínas são mais assustadoras que a eternidade da guerra Israel-Árabes ou do inferno do Iraque? Sobrou uma denúncia tola (que aliás absolve gentalha sem talento), muito aquém da complexidade do horror de hoje.

Nunca esqueço da frase de Stravinsky "A obra de arte deve ser exaltante ". Não se trata de uma cegueira complacente com o erro, mas uma ação exaltante da vida, da existência humana, exaltante de algo que está se perdendo. Muitos artistas se acham "militantes", mas estão abrindo mão da reflexão na arte para o eixo do mal capitalista. Críticos e curadores seguem de cabeça baixa, sem coragem de denunciar oportunismos, por medo de serem chamados de caretas ou reacionários. Será que o "novo" não pode ser um "belo" que denuncie, com sua luz, sua esperança, a injusta vida?

Digo isso, porque, se o negócio for eventos de destruição e crítica do capitalismo, ninguém é melhor artista que os homens-bomba e o Osama Bin Laden."



Eu, assino em baixo!


domingo, 8 de agosto de 2010

Sempre Picasso


Picasso: neoclássico, cubista, surrealista, ceramista, gravador, escultor, soberbo desenhista, efervescente, exuberante, triste, carrancudo, financista astucioso, sedento de publicidade, o espanhol em combustão permanente, o brincalhão e inventor de charadas, generoso, autor teatral... todas estas características e qualidades estão citadas no artigo Picasso (1881-1973) do livro Experiência Crítica que reune textos de Ronaldo Brito, organizados por Sueli Lima. Esse artigo é um retrato de Picasso, e traz informações que só me fizeram admirá-lo ainda mais:

- sua obra pictórica está incluída no catálogo feito por Christian Zervos com 10 mil ítens, mais 3 mil desenhos , não incluídos, doados a Barcelona, e ainda há a reserva pessoal do pintor, avaliada em 3 mil telas;
- o cálculo de sua produção média anual era de 200 telas, produção que foi respeitada até seus últimos 12 meses de vida;

Diante disso, não sei o que dizer dos pintores que limitam sua produção para manter em alta o preço de suas telas através do controle da oferta x demanda.

Picasso disse um dia: "Pintar é meu hobby. Quando acabo de pintar, pinto de novo para descansar".








Também no livro de Ronaldo Brito se encontra a citação de um texto produzido por Robert Hughes, da revista Times, numa matéria de capa que celebrou os noventa anos do mestre. Nele Robert imaginou o que dava a impressão de ser um dia de rotina na vida desse homem imprevisível:
"Supõe-se que tudo deva começar com um luminoso breakfast de testículos de bode. A seguir, cercado por um rebanho de admiradores e domésticos pombos, ele desce ao estúdio e produz trinta gravuras, dois murais e uma natureza-morta. No almoço, depois de um sapateado diante dos ávidos repórteres de uma equipe da Paris Match, ele ensina ao toureiro Dominguín alguns segredos da arte de demolir um touro. Agora é a vez da olaria, de onde, 83 vasos de cerâmica depois, Picasso convoca seu chofer e sai para capturar três virgens na praia. Elas são defloradas durante a siesta e retiram-se gorgeando graciosamente para escrever suas memórias.

Restaurado, o mestre enche o tempo monótono de espera do jantar com uma dúzia de retratos. A omelete palpita sob seu garfo incapaz de deduzir sua própria sorte. Ela também será convertida num "Picasso". Um silêncio verde e noturno reina no jardim, quebrado apenas pelo clamor surdo de milionários gregos entupindo a caixa de cartas de Picasso com notas de mil dólares na esperança de que ele assine uma delas. Mas o dia terminou..."


É o cara!



domingo, 25 de julho de 2010

Trajetória II


Pois bem, depois de dois cursos de desenho, seguindo a minha lógica de aprendizagem, decidi que deveria conhecer as técnicas de pintura. Matriculei-me então na Escola Caminho das Artes, no curso de Introdução às Técnicas de Pintura, com Ana Maria Villar, grande mestra e incentivadora. Com ela me iniciei no caminho da pintura, o qual continuo percorrendo com prazer, sempre aprendendo e me surpreendendo com sua mágica e poder de sedução.

Foi Ana Maria Villar que me aconselhou a fazer o curso de Edson Calmon, nessa época ministrado na mesma escola. Me encantei com os trabalhos produzidos pelos alunos de Edson, que utiliza a colagem como base para a criação artística e mergulhei de cabeça na experiência. Tudo o que produzo hoje tem por base esse aprendizado.

Reproduzo a seguir trecho de um texto de Edson sobre seu curso que poderá esclarecer um pouco mais sobre sua metodologia:


"Curso de Estímulo à Criatividade Através da Expressão Plástica

Essa metodologia se baseia na teoria que defende a colagem como base imaginativa da criação plástica e até mesmo de um certo tipo de criação literária.


A colagem é um meio que possibilita uma arqueologia pessoal, um instrumento que permite uma investigação inter e intra pessoal, um garimpo do universo interior de cada indivíduo.


Acreditamos que seja um método mais rápido e eficaz que o desenho. A linha é uma operação muito complexa. Salvo para as pessoas que tem habilidade inata para o desenho, o grafismo, esse fio que contorna todos os objetos em nossa vida, é uma abstração que de fato não existe na natureza. O desenho, para quem não o domina de forma espontânea, cria um verdadeiro entrave para o desenvolvimento dos que querem se iniciar nos processos de criação artística.

Percebemos a realidade de forma tridimensional e ela nos apresenta massas de valor e cor que podem ser representadas na superfície de uma tela, de maneira muito mais eficiente, através de um jogo de planos. Dessa forma, a colagem se mostra um processo facilitador muito mais apropriado do que o desenho, da maneira como ele é ensinado nas academias.

Da forma como a aplicamos, a colagem é um método que possibilita o desenvolvimento do pensamento divergente, na medida em que se constitui um fantástico jogo de possibilidade associativas. A criatividade é estimulada na prática desses jogos combinatórios, potencializando a capacidade de estabelecer relações novas com informações que já tínhamos guardadas na memória."


Do curso de Ana Maria Villar, também em primeira mão, divulgo aqui alguns dos trabalhos produzidos durante o aprendizado de algumas das técnicas de pintura, todas tendo o papel como suporte:



Aquarela








Pastel seco







Nankim




Acrílica


terça-feira, 20 de julho de 2010

Trajetória I

Quando resolvi que pintar seria algo especial para fazer num momento particularmente triste de minha vida, me inscrevi num curso de desenho de observação. Como a maioria das pessoas, eu pensava que o primeiro passo para pintar era saber desenhar.

Não tenho talento nato para o desenho e, por isso, até conseguir algo razoável tenho que dispender muito esforço e energia vital. Hoje, vital para mim é pintar.

Com Edson Calmon aprendi que um exímio desenhista não se tornará, necessariamente, um grande artista. Além disso, há diversas formas de se transferir uma imagem para a tela sem recorrer à habilidade do desenho.

Edson, que utiliza a colagem como recurso para a criação em arte nos ensina:


"Grande equívoco pensar que o poder de desenhar é um dom e somente os que o possuem podem desenvolver um processo de criação capaz de colocá-los no patamar da criação artística.

O fato de ter habilidade inata para o desenho não credencia ninguém como artista. O que dá a dimensão de arte a uma obra é a sua fatura estética.

Desenhar é uma ação mágica, elegante e convincente. Com algumas linhas rápidas e espontâneas, o indivíduo pode levar emoção às pessoas e travar com elas um diálogo no plano estético. O desenho não exige nenhuma qualidade excepcional do ponto de vista da destreza manual do sujeito que o pratica, exige sim, do seu sentido intuitivo, da sua capacidade imaginativa e criadora e do seu sentimento.

Um desenho traçado com linhas toscas, sem nenhuma “habilidade” e sem nenhuma ligação com a “realidade” visível, se for oriundo de profunda e verdadeira sensação íntima, pode conter mais vida, mais emoção e beleza do que outro, asséptico, bem confeccionado dentro das normas da boa execução técnica e do exercício da observação externa.

O “excesso de habilidade” pode levar ao maneirismo estéril, à rigidez que acaba por sufocar qualquer possibilidade de emoção estética."

Em primeira mão, vou mostrar para vocês alguns desenhos produzidos na época, entre eles um auto-retrato. Infelizmente nunca mais exercitei o desenho o que, no meu caso, é fundamental para conseguir produzir com alguma qualidade. Em minha última viagem até comprei um pequeno caderno para voltar a desenhar, mas ainda não o fiz. Um dia, quem sabe...




Carvão nº 1





Minha eterna fonte de felicidade




Minha eterna fonte de felicidade de chapéu




Kirk Douglas




Desenho criativo





Auto-retrato

Nenhum fio de cabelo solto
Talvez para não deixar escapar
Qualquer pensamento
Qualquer sentimento
Como se isso fosse possível
Olhos de quem viu de quase tudo
De quem sofreu quase tudo
Que mais haveria para sofrer?
Rosto-estátua, fria
Por que tinha que ter sido assim?
Dessa época só guardo os brincos!


sábado, 26 de junho de 2010

Série Garrafas - 2008















Se você fosse garrafa
Eu seria gênio
Para satisfazer todos os seus desejos

Se você fosse céu
Eu seria nuvem
Para fazer cócegas em suas orelhas

Se você fosse mar
Eu seria cavalo marinho
Para cavalgar suas ondas

Se você fosse terra
Eu seria vulcão
Para fazer ferver suas entranhas

Se você fosse árvore
Eu seria fruto
Para guardar sua semente

Se você fosse tela
Eu seria tinta
Para criar uma obra prima

Se você fosse lua
Eu seria São Jorge
Pra te salvar do dragão

Se você fosse vento
Eu seria saia rodada
Pra mostrar as pernas da bailarina

Se você fosse chuva
Eu seria semente
Pra brotar flor na primavera

Se você fosse música
Eu seria nota musical
Para compor uma sinfonia

Se você fosse real
Eu seria sonho
E juntos seríamos o infinito

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Viagem





Circo - 2001



Foi ao cinema. Sozinha. Como sempre fazia, mesmo antes da separação. Não era como algumas pessoas que precisam de companhia para tudo. Gostava de estar só às vezes. Ir ao teatro ou almoçar não carecia necessariamente de ser um momento dividido com alguém.

Naquele dia talvez estivesse mais emotiva do que o normal e por isso uma conversa, absolutamente banal, despertou nela uma tristeza que transbordou em lágrimas, teimosas, desobedientes à sua ordem de recolher.

À sua frente estava sentado um casal de meia idade, dividindo um lanche, à espera do início do filme. Entre uma mordida e outra em seu sanduiche, o homem disse:

- Toda vez que como este sanduiche lembro daquela viagem que fizemos para...

Parou de ouvir a conversa e começou a pensar em como seria bom ter alguém para conversar e lembrar de momentos vividos juntos, alguém que a compreendesse e estivesse disposto a ouvir com atenção, relembrar detalhes, sabores, cores, cheiros, experiências, descobertas...

Nesse ponto seus olhos começaram a exprimir em lágrimas os seus pensamentos e por alguns instantes desejou envelhecer ao lado de alguém.

Mesmo após duas tentativas fracassadas, ainda espera pelo homem que a levará ao cinema e comentará sobre aquela viagem...

Ainda assim...






Pra Rua Me Levar

Ana Carolina e Totonho Villeroy

Não vou viver, como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho onde eu vou
As vezes ando só, trocando passos com a solidão
Momentos que são meus, e que não abro mão
Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar, e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
Eu vou lembrar você

É mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir
Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar, e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora...


terça-feira, 8 de junho de 2010

Adelaide







Bicho de sete cabeças. Cada uma com mais sete, replicadas ao infinito. Medusa dos trópicos. Mil idéias em desalinho. Em cada boca um pincel. Em cada pincel uma cor. Nasceu Adelaide. Adelaide se esconde sob um arco-íris lilás. Seus olhos são negros, como seu cabelo.
Você consegue vê-la? Nasceu de uma foto onde uma mãe chorava a morte de sua cria. Seu rosto mostrava uma dor imensa, comovente, enquanto acariciava a cabeça da criança, como se quisesse fazê-la renascer, como se não fosse capaz de aceitar aquela partida tão prematura. Vítima da tragédia ocorrida numa escola da cidade russa de Beslan, onde terroristas chechenos provocaram a morte de 344 civis, entre eles 186 crianças, entre elas aquele bebê. Agachada junto a seu filho, aquela mulher era o retrato genuíno da maior de todas as dores, sem escândalo, expressão profunda de uma perda irreparável, tristeza que carregaria para sempre.





quarta-feira, 2 de junho de 2010

Janelas da Alma







Almas
Penadas, almas
Alvas
Almas, alvas
Janelas azuis
Por onde espreitam
Olhos sedentos
Mão segura
Que conduz
Ao caminho inseguro
Do meu delírio
Cerra
Não deixa passar a luz
Quero a escuridão
Da noite sem lua
Sem estrelas
Sem alma




Alma Nua

Vander Lee





Ó Pai
Não deixes que façam de mim
O que da pedra tu fizestes
E que a fria luz da razão
Não cale o azul da aura que me vestes
Dá-me leveza nas mãos
Faze de mim um nobre domador
Laçando acordes e versos
Dispersos no tempo
Pro templo do amor
Que se eu tiver que ficar nu
Hei de envolver-me em pura poesia
E dela farei minha casa, minha asa
Loucura de cada dia
Dá-me o silêncio da noite
Pra ouvir o sapo namorar a lua
Dá-me direito ao açoite
Ao ócio, ao cio
À vadiagem pela rua
Deixa-me perder a hora
Pra ter tempo de encontrar a rima

Ver o mundo de dentro pra fora
E a beleza que aflora de baixo pra cima
Ó meu Pai, dá-me o direito
De dizer coisas sem sentido
De não ter que ser perfeito
Pretérito, sujeito, artigo definido
De me apaixonar todo dia
De ser mais jovem que meu filho
E ir aprendendo com ele
A magia
de nunca perder o brilho
Virar os dados do destino
De me contradizer, de não ter meta
Me reinventar, ser meu próprio Deus
Viver menino, morrer poeta


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Mulher







Apanhado. De meias. Sapatos pendurados nos dedos médio e indicador. Descendo a escada de madeira na ponta dos pés, devagar, tentando evitar o ranger dos degraus. Chaveiro contido na mão, impedindo o tilintar das chaves.

- Aonde você vai?

- Vou até a portaria, buscar a revista V.

- Precisava se arrumar todo assim?

- É.

- E por que os sapatos na mão?

- Para não lhe acordar, não queria incomodar.

- A revista só chega amanhã, domingo

- ...

Será que eles ainda acreditam na máxima "negar sempre, até o final"? Ainda não se deram conta que essa é apenas uma maneira de subestimar e desrespeitar o outro em todos os sentidos? Não perceberam que o amor vai morrendo aos poucos, gota a gota, esvaindo-se numa série de mágoas, flechas certeiras, cravadas no coração?

- Quero a separação!

- Mas por quê? Por quê? Eu te amo!

Ora façam-me o favor. Não perceberam ainda que o modelo cafajeste saiu de moda?



sexta-feira, 21 de maio de 2010

Homem







Sobrevoa e pousa
Branca como a luz
Torquês de ferro
Leve como o ar
Esmagadora feito o arrependimento
Pentimento na tela azul-turquesa
Caminhos de navegar o inconsciente
Voa para longe
Levando os cinzas
Desse inverno glacial
Cruel e torturante
Como a falta que sinto de ti

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sol e Mar



Ando muito musical estes dias. Culpa do iPod, ressuscitado pela volta à academia, depois de quase dois anos fazendo apenas algumas caminhadas esparsas. Tinha até esquecido como é revigorante fazer exercícios físicos, apesar do esforço para manter a rotina. Espero perseverar!

Como não estou podendo publicar meus trabalhos novos, por causa da próxima exposição, fico cavoucando meus arquivos de trabalhos antigos. Então achei esse, sem título, doado para uma instituição de caridade, transformado em prêmio de bingo, filho perdido, paradeiro ignorado, bem do início, lá pelo idos de 2000, que me remeteu à musica Mar e Sol:





Mar e Sol

Composição: Lokua Kanza/ Carlos Rennó

Na voz de Gal Costa




Um Sol
Eu sou
Para o seu mar, ó meu amor;
Você
O mar é
Para o meu Sol, para eu me pôr;

Me pôr
Em você,
Me espelhar, me espalhar;
Meu Sol
De arrebol
Deitar no leito de seu mar –

E entrar em você,
Em você queimar, arder;
Em você tremer, em você,
Em você morrer, morrer.

Um só,
Um nó
De fogo e água, terra e céu,
A sós,
Somos nós,
De corpo e alma, você e eu;

E eu
A descer,
A desnascer, desvanecer;
A ser
Em você
Um Sol
a se dissolver –

Ao entrar em você,
Em você queimar, arder;
Em você tremer, em você,
Em você morrer, morrer.

Depois,
Nós dois,
Olhos nos olhos, vis-à-vis,
Nos seus
Olhos meus,

Me vejo no que vejo ali;

Ali,
Eu-você,
Olho no olho a se espelhar,
Amor,
Sem temor,
Olho o que eu olho me olhar –

Ao entrar em você,
Em você queimar, arder;
Em você tremer, em você,
Com você morrer, morrer.

Paixão de fogo de paixão
De fogo de paixão
De fogo de paixão,

Em que me afogo de paixão
Me afogo de paixão
Me afogo de paixão