sábado, 27 de fevereiro de 2010

Amores





José estava apaixonado, só tinha olhos para ela. Enquanto Maria não chegava o dia não começava, o sol não brilhava e as horas pareciam eternas. José queria com todas as suas forças conquistar aquela mulher para a qual, sabia, tinha sido forjada sua existência. Desejava fazer-lhe um filho, ser feliz a seu lado, tinha certeza que seria para sempre.

José amava, Maria não.

Maria tinha outros olhares, sonhava com outras mãos, outras luas e desertos. A felicidade para ela não estava ali, não estava ao lado dele. Ela também não saberia dizer onde desejava que seu destino a levasse, em qual praia ou montanha estaria escondido o grande amor de sua vida, para o qual ela se entregaria por inteiro, sem reservas, sem medo.

Aos poucos José foi perdendo o brilho dos olhos, seu andar tornou-se desamparado e seu desejo foi morrendo junto com ele. Já não sorria e os dias eram todos iguais e cinzentos. Até que, num dia que poderia ter sido como outro qualquer, surgiu Rosa, com seu andar inglês, seus cachos brilhantes soltos ao vento, riso aberto e todas as cores do arco-íris no olhar.

José renasceu, esqueceu-se de Maria. Era correspondido em seu afeto e todos os sonhos que ele sonhou ao lado de Maria, tornaram-se realidade ao lado de Rosa. Tiveram três filhos, seis netos, viajaram mundo afora, conheceram o amor verdadeiro e envelheceram juntos.

José foi muito feliz, Maria não.



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Mulheres de Abril







Mulheres de abril
de outono
e domingo
entrelinhas
flor e espinho
linhas entre
luz e sombra
vôo livre
mergulho
azul, azul
eternas e fugazes
plenas e poderosas
como só as plumas
soem ser



Tributo a Matisse

O texto a seguir foi publicado em artes e letras por seven em 14.08.2007:



Parece irónico falar de Matisse, apelidado o mestre da cor, mostrando uma fotografia a preto e branco. Durante toda a sua vida o pintor dedicou todos os seus esforços a trabalhar a cor - eu sinto através da cor, terá dito. Descobriu esta sua vocação quando lhe ofereceram uma caixa de cores para se entreter durante a convalescença de uma operação ao apêndice, tinha então 20 anos. Na época de convulsões e temores que atravessou, paradoxalmente pintou a alegria, a beleza e a harmonia. Ao longo de anos captou estes temas no papel através do desenho que depois preenchia com cores lisas e vibrantes.

Em 1941 é-lhe diagnosticada uma doença incurável que o vai incapacitar cada vez mais para a pintura, ele que riscava directamente nos grandes espaços com o pincel! Matisse não se conforma com a sua incapacidade. Descobre então um novo meio de expressão ao seu alcance: o recorte. Nas suas mãos, a tesoura desenha linhas ondulantes em papeis previamente coloridos com guache. O artista prescinde do desenho e desenha directamente na cor. O resultado é surpreendente... Frequentemente deitado ou numa cadeira de rodas, o velho doente arranjou uma maneira de contrariar o destino e, ainda assim, atingir o ápice da sua carreira - a síntese das sínteses!

Divertimento de um velho paralítico, crepúsculo de um Deus, frivolidades infantis... que interessa? As formas recortadas de Matisse são diferentes de tudo o que até então se vira. Não são as colagens cubistas, o vocabulário abstracto de Kandinsky nem os signos biomórficos de Jean Arp. São um constante regresso à infância, como disse Baudelaire sobre o Génio. Em 1947 publica uma colectânea destes trabalhos a que chama sintomaticamente "Jazz - improvisos cromáticos e cadenciados". Improvisos semelhantes aos que executaria Charlie Parker no saxofone...

A tristeza do rei (1952) terá sido a sua última realização, o adeus à vida, às coisas do mundo que o rodeia e a tudo o que lhe era querido, reunindo tudo nesta obra derradeira como que para se fazer enterrar com ela, à maneira dos faraós do antigo Egipto. O rei, vestido de negro com uma viola na mão, seria o próprio Matisse.


Tristeza do Rei (1952)


****************


Para Matisse


Matisse

Matinasse

Para ver o sol nascer


Matisse

Materializasse

Só se fosse a cor


Matisse

Matizasse

Todo um arco-íris


Matisse

Mitigasse

A fome de beleza


Matisse

Motivasse

Os olhares indiferentes


Matisse

Matisse

Para encantar os mortais






Tributo a Matisse I - Colagem de 2009





Tributo a Matisse II - colagem de 2009

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Penso, Logo, Flutuo





Penso, logo, flutuo

Flutuo, logo, inexisto
Inexisto, logo, careço
Careço, logo, imploro
Imploro, logo, perdôo
Perdôo, logo, te amo
Te amo, logo, existo

Existo, logo, te amo
Te amo, logo, perdôo

Perdôo, logo, imploro
Imploro, logo, careço
Careço, logo, inexisto
Inexisto, logo, flutuo
Flutuo, logo, penso


A propósito, Penso, Logo, Flutuo é o título da pintura que abre esta postagem, produzida em 2003.