sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Procura-se



2010 não foi um ano ruim. Em alguns aspectos, foi ótimo. Poderia ter sido fechado com chave de ouro, não fosse o  e-mail recebido da Galeria onde estávamos (eu e Ivonete) pleiteando pauta para uma exposição no próximo ano. Nosso projeto não foi selecionado, sob a alegação de que: “ Em decorrência do número limitado de pautas, sua proposta para ocupação da galeria não foi selecionada para o ano de 2011.”

Que pena, o ano de 2011 começa com a procura de outro espaço para mostrar o trabalho produzido neste ano que se finda. Como escrevi em outra oportunidade: caio, levanto, volto a caminhar, apesar de não considerar este acontecimento propriamente uma queda, vejo-o mais como um pequeno, pequeníssimo, acidente de percurso.

Determinados espaços da cidade, em virtude das vantagens que oferecem, são muito procurados e como na Bahia há um excesso de artistas, como se diz por aí, baiano não nasce, estréia (acho que essa palavra perdeu o acento), é claro que não há lugar para todos.

Tínhamos muita confiança na qualidade do nosso trabalho e não termos sido selecionadas foi uma balde de água fria em nossas pretensões, que não são grandes no final das contas. Resta-nos, portanto, buscar outro espaço por aí que nos acolha.

Aproveito a oportunidade para desejar a todos um feliz final de ano e um 2011 pleno de saúde, felicidade e muitas realizações.

Um forte, apertado e afetuoso abraço em cada um que acompanha meu percurso e me proporciona tanta felicidade ao deixar neste espaço mensagens tão carinhosas e motivadoras.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Detalhe II





...

Meu olhar busca aflito
a serenidade do encontro
O espelho me devolve
a turbulência da dúvida
O infinito não me preenche
O vazio transborda
Negro como a escuridão
de uma noite sem sonhos

...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pintura

Do livro Relâmpagos [dizer o ver] de Ferreira Gullar, páginas 142-143.
  

Carlos Bracher
Natureza-morta com copos de leite e violino 

PINTURA

Eu sei que se tocasse
com a mão aquele canto do quadro
onde um amarelo arde
me queimaria nele
ou teria manchado para sempre de delírio
a ponta dos dedos

Ferreira Gullar

sábado, 11 de dezembro de 2010

Saudade


Por que tinha de partir tão cedo? Tantas perguntas ficaram sem resposta, perdidas para sempre. Fragmentos de histórias ouvidas há muito tempo, curiosidades... qual a origem daquele pequeno defeito no braço esquerdo, quase imperceptível mas que lhe limitava o movimento? As amigas disseram-lhe: você não vai conseguir trabalhar na fábrica de louças, a tarefa exige habilidade e rapidez. E, no entanto, foi uma das melhores funcionárias que aquela fábrica alemã já teve. E sua irmã menor, salva de uma morte horrível, queimada. Deveria fazer frio e a casa sem calefação obrigava a família a passar a maior parte do tempo na cozinha, onde ardia o fogão a lenha. As crianças sozinhas em casa. Uma fagulha talvez, a proximidade do calor, as roupas começam a pegar fogo, rapidamente as labaredas tomam conta do pequeno corpo agachado, a irmã mais velha olha e num impulso pega uma panela que está sobre a pia, com água, e joga sobre a criança. As marcas ficaram para lembrar o episódio, mas a vida foi salva, e ainda vive. O trabalho na estrada de ferro. A saída prematura de casa, em busca de uma vida melhor. A travessia do oceano, de navio, muitos dias de viagem, o baú com roupas e louças, a incerteza... Não deve ter sido uma vida fácil, certamente não foi nada fácil. Qual a hora exata do nascimento? Sem saber disso não pode fazer seu mapa astral. Os arquivos do hospital se perderam... e agora? Quais foram as traquinagens de infância que mais marcaram? Qual era a roupa predileta? E a fruta ou chocolate deixado em baixo do travesseiro, como um agrado para a criança que iria acordar e não teria a mãe por perto para lhe dar um abraço? Ela precisava trabalhar, mas se fazia presente nesses pequenos gestos, tão especiais. Ela era muito especial. Tão forte e tão frágil. Tão só. Tanta falta.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Relâmpagos

A arte deve falar por si. Não me convence a obra de arte que precisa de “bula” para ser entendida, ela deve tocar o espectador pela força da expressão. Deve surpreender o olhar, causar emoção e prescinde de tradução. O espectador deve encontrar o significado para o que seus olhos vêem e seu coração intui. O cérebro só deve entrar em cena depois que a mágica do primeiro encontro ocorre, aí então serão decifrados outros significados, surgirão detalhes antes despercebidos, instaurar-se-á a paixão e ele estará preso para sempre ao mistério da criação que inspirou o artista.

Para ilustrar esse pensamento, trago um texto de Ferreira Gullar, do livro Relâmpagos [dizer o ver], onde ele comenta trabalhos de vários artistas de forma poética e original. Em suas palavras: “Toda obra de arte atinge nosso olhar como uma inesperada fulguração, um relâmpago. Atrevi-me algumas vezes a tentar fixar esse relâmpago em palavras.”



 

MATISSE: FALAR PINTURA

Você quer fazer pintura? Comece então por cortar sua língua, para, a partir de agora, só falar com pincéis.

Esta frase de Henri Matisse resume o que ele essencialmente pensava a respeito de sua arte: linguagem única e insubstituível pela qual o artista formula o que por nenhum outro meio pode ser expresso. Uma lição que alguns artistas e críticos de hoje necessitam aprender, já que ainda não descobriram – ou esqueceram –, é a que o homem só inventou a pintura porque existe uma parte da experiência humana que não se traduz em palavras. Quando Matisse diz que o pintor deve cortar a própria língua, ele acentua o caráter não conceitual, não verbal, não literário da pintura. E isso está evidente em cada um de seus quadros, como neste Les Capucines à “La danse” (II), onde só a pintura fala: nas suas cores e na matéria delas, na pincelada áspera e sem concessões, severa, que deixa à mostra a materialidade da cor, e que esboça sumariamente os corpos humanos e os objetos, mudados na sua forma, transfigurados numa espécie de transcendência ao revés: a coisa não se torna espírito mas mancha de si mesma, quase-coisa, produto do ato de pintar. Essa é a nova realidade que os mestres do começo do século criam com as cores e os pincéis. Uma alegria outra que a experiência da arte desconhecia.

Ferreira Gullar