segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dunas








Pintar, pintar
Pincel de ar
Colorir
De azuis e verdes
Toda uma paisagem
De retas incertas
Lilás, lilases
Flores em cores
Feitas de nuvens e ar
Para compor o buquê
De estrelas brilhantes
Que vai iluminar
Minha noite escura e sombria
Onde se escondem
Todos os medos e pesadelos


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Arte e beleza








Texto de Arnaldo Jabor, publicado no Jornal O GLOBO - 11 de novembro de 2003


"Em outubro, fui a Veneza. Estava precisando mesmo de um pouco de arte, depois de dois anos sem sair, impregnado de todos os bodes do Brasil e do mundo, pois minha profissão atual é ser esponja das notícias e dos fatos que elas escondem. Oito dias em Veneza foram um banho de purificação; na água das banheiras européias boiavam escândalos da Justiça, bandidos do PCC, flutuavam balas perdidas, frases pomposas de ministros, mentiras de fisiológicos, ladrões de casaca, afundavam detritos que acumulo na dura função de comentarista. Até Sharon e Bush sumiam no redemoinho do ralo.

Mergulhei na espantosa beleza da cidade e nas obras da Renascença que atulham aquela antiga República do comércio entre o Oriente e o Ocidente e bateu-me a verdade óbvia: a grande obra de arte só floresce onde há dinheiro. Sim, puros românticos, nos palácios dos Doges, nas igrejas bizantina-cristãs, nos tetos, portais, afrescos, em tudo jorram as encomendas da vaidade dos poderosos ou dos sacerdotes de Deus, que empresavam as oficinas de artesãos, comandadas por gênios como Tintoretto, Veronese, Ticiano. Fiquei dias dentro da Scuola Grande di San Rocco, na Academia, tudo.

Depois eu fui ver a casa de Peggy Guggenheim, onde estão tesouros da arte moderna dos primeiros 40 anos do século XX. E, em seguida, fui ver a arte contemporânea na Bienal de Veneza. Assim, em oito dias eu vi a Renascença, Modernismo e "pós-modernismo", se esse nome cabe. Foi um show de contrastes que me deu uma certeza: há qualquer coisa de podre na arte contemporânea. Rosnem de ódio, netinhos de Duchamp, gritem "militantes imaginários", uivem instaladores de nada, mas há uma terrível ausência, uma "hiância", como dizia Mallarmé, um grande vazio em museus e bienais. Há uma ausência que danifica a obra de arte: a esperança. Isso mesmo: esperança. Mesmo nas obras de encomenda de duques e cardeais do século XVI, feitas por empregados que podiam ir até em cana se não satisfizessem os poderosos, havia um fervor religioso ou meramente fabril, havia um desejo de retratar uma mudança, uma fé na beleza, nos ventos novos que humanizavam a figura, que criavam a "perspectiva", uma idéia de tempo, de progresso, longe da platitude medieval. A genialidade de artistas como Tintoretto não buscava mais a representação estática de uma imobilidade submissa, mas a captação de um momento de agonia ou de triunfo, de "esperança".

Fui também à Fundação da Peggy Guggenheim, em sua casa à beira do Canal. Lá estão Picasso, Matisse, Kandinsky, Magritte, Pollock, tantos... E é também deslumbrante ver o entusiasmo da nova arte que se desenhava no início do século XX, a arte como a militância por uma beleza construtiva, o olho humano sendo enriquecido, na "esperança" de que a modernidade se aperfeiçoasse, unida às grandes utopias do século XX, como o socialismo e até mesmo o "fascismozinho" do futurismo italiano. Os artistas modernos queriam repensar o mundo nas suas formas, mesmo quando um conceito fosse deprimido, havia na forma e na atitude um desejo visível de mudança para melhor.

Depois, fui ver a Bienal de Veneza. A sensação dominante é a de um vasto depósito de lixo ou de ruínas ou de despejos da civilização. Os pavilhões de todos os países repetem os mesmos códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiúra, uma recusa de qualquer poiesis , uma clara vergonha de ser "arte", vergonha de provocar sentimentos de prazer. A fruição poética é impedida, por ser "burguesa", como se o prazer fosse uma coisa reacionária, "alienada", ignorando o "mal do mundo", que tem de ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror social e político que nos assola. O problema é que esse desejo de denúncia não deixa um espaço para algo que possa viver, renascer. É como se a própria arte fosse uma babaquice a ser evitada, na linha direta da herança mal-entendida e descontextualizada de Duchamp, o estraga-prazeres dos anos 20.

Só que o mundo mudou muito. Depois do 11 de setembro, principalmente, ficou nítido que o mundo é hoje muito pior que qualquer representação deprimida. A destruição que vemos na vida, o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, o beco-sem-saída do racismo e do fundamentalismo, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda, está muito além de qualquer "denúncia" artística; o mal é tão profundo que denunciá-lo mecanicamente destruindo a própria arte como uma "prova do crime" está virando uma ociosa cumplicidade.

A Bienal de Veneza (furada, aqui e ali, por alguns talentos individuais, claro) virou um parque temático de deprimidos, um hospital de paranóicos, um muro de lamentações inúteis. Não adianta mais "chocar" ninguém, pois nada é mais chocante que as chuvas de bombas, a miséria global e a estupidez universal do inferno de hoje. O absurdismo do pós-guerra, nos anos 50, a arte pop, todo o desespero crítico ou paródico tinham um claro alvo construtivo em sua militância. Havia esperança na angústia. Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira, a melancolia como "denúncia" de uma vida sem solução. Nada que haja na Bienal nos choca mais que uma explosão da discoteca onde morrem 300 jovens, nada é pior ou mais crítico do mundo que homens-bomba ou a África ou a lama das favelas e periferias. Nada. E, aí, vemos a verdade: a arte contemporânea está muito aquém da realidade. Que performance ou happening será mais contundente ou expressivo que a destruição de Nova York, do WTC? Que cadáver exposto dentro de garrafas ou latinhas de merda ou cavalos mortos ou latas de lixo ou ruínas são mais assustadoras que a eternidade da guerra Israel-Árabes ou do inferno do Iraque? Sobrou uma denúncia tola (que aliás absolve gentalha sem talento), muito aquém da complexidade do horror de hoje.

Nunca esqueço da frase de Stravinsky "A obra de arte deve ser exaltante ". Não se trata de uma cegueira complacente com o erro, mas uma ação exaltante da vida, da existência humana, exaltante de algo que está se perdendo. Muitos artistas se acham "militantes", mas estão abrindo mão da reflexão na arte para o eixo do mal capitalista. Críticos e curadores seguem de cabeça baixa, sem coragem de denunciar oportunismos, por medo de serem chamados de caretas ou reacionários. Será que o "novo" não pode ser um "belo" que denuncie, com sua luz, sua esperança, a injusta vida?

Digo isso, porque, se o negócio for eventos de destruição e crítica do capitalismo, ninguém é melhor artista que os homens-bomba e o Osama Bin Laden."



Eu, assino em baixo!


domingo, 8 de agosto de 2010

Sempre Picasso


Picasso: neoclássico, cubista, surrealista, ceramista, gravador, escultor, soberbo desenhista, efervescente, exuberante, triste, carrancudo, financista astucioso, sedento de publicidade, o espanhol em combustão permanente, o brincalhão e inventor de charadas, generoso, autor teatral... todas estas características e qualidades estão citadas no artigo Picasso (1881-1973) do livro Experiência Crítica que reune textos de Ronaldo Brito, organizados por Sueli Lima. Esse artigo é um retrato de Picasso, e traz informações que só me fizeram admirá-lo ainda mais:

- sua obra pictórica está incluída no catálogo feito por Christian Zervos com 10 mil ítens, mais 3 mil desenhos , não incluídos, doados a Barcelona, e ainda há a reserva pessoal do pintor, avaliada em 3 mil telas;
- o cálculo de sua produção média anual era de 200 telas, produção que foi respeitada até seus últimos 12 meses de vida;

Diante disso, não sei o que dizer dos pintores que limitam sua produção para manter em alta o preço de suas telas através do controle da oferta x demanda.

Picasso disse um dia: "Pintar é meu hobby. Quando acabo de pintar, pinto de novo para descansar".








Também no livro de Ronaldo Brito se encontra a citação de um texto produzido por Robert Hughes, da revista Times, numa matéria de capa que celebrou os noventa anos do mestre. Nele Robert imaginou o que dava a impressão de ser um dia de rotina na vida desse homem imprevisível:
"Supõe-se que tudo deva começar com um luminoso breakfast de testículos de bode. A seguir, cercado por um rebanho de admiradores e domésticos pombos, ele desce ao estúdio e produz trinta gravuras, dois murais e uma natureza-morta. No almoço, depois de um sapateado diante dos ávidos repórteres de uma equipe da Paris Match, ele ensina ao toureiro Dominguín alguns segredos da arte de demolir um touro. Agora é a vez da olaria, de onde, 83 vasos de cerâmica depois, Picasso convoca seu chofer e sai para capturar três virgens na praia. Elas são defloradas durante a siesta e retiram-se gorgeando graciosamente para escrever suas memórias.

Restaurado, o mestre enche o tempo monótono de espera do jantar com uma dúzia de retratos. A omelete palpita sob seu garfo incapaz de deduzir sua própria sorte. Ela também será convertida num "Picasso". Um silêncio verde e noturno reina no jardim, quebrado apenas pelo clamor surdo de milionários gregos entupindo a caixa de cartas de Picasso com notas de mil dólares na esperança de que ele assine uma delas. Mas o dia terminou..."


É o cara!