Estes são Madri e Barcelona
Sentindo-me nostálgica com relação às minhas origens, encontrei um texto que recortei de uma dessas revistas encontradas a bordo do avião.
Trata-se da descrição da preparação de uma paella, escrita pela chef Helena Rizzo que, para isso, recorreu a uma memória tenra de sua idade. Durante a leitura fui sentindo cheiros, desvelando cores, ouvindo antigos chamados e agora divido com vocês essa deliciosa leitura:
Era uma noite quente de verão e estávamos eu e minha família de férias no sul de Santa Catarina, em uma casinha simples, bem perto da praia. De madrugada, em busca de algum vestígio de brisa, deitei no sofá da sala e apaguei. Lá pelas tantas, meu sono é interrompido por um ruído familiar. Quando abri a porta que dava para o quintal, ainda sonolenta, pude ver meu pai lixando freneticamente uma enorme panela de paella, enferrujada pelo pouco uso. Começava o ritual para o jantar.
No café da manhã, a panela já estava brilhando. Meu pai pegou a chave do carro com a lista na mão e saiu em busca dos ingredientes nos mercadinhos locais e nas peixarias da redondeza. Trouxe o suficiente para fazer o caldo com a cabeça e as espinhas do robalo, além das aparas das lulas e do polvo para impregnar o arroz com os aromas da terra e do mar. Também comprou lenha em uma marcenaria próxima - detalhe que faz toda diferença e que remonta à origem
e à tradição dos camponeses espanhóis.
Depois, colocou o calção e foi para a praia descansar. Descansar? Que nada. Pegou meus óculos de natação e um saquinho de malha e caminhou até o canto direito da praia. Nadou 30 metros em direção ao fundo e agarrou-se à ponta de uma rocha. Passaram-se alguns minutos e nada de ele voltar. Fiquei preocupada e resolvi ir atrás. Encontrei-o com os bolsos do calção inflados de mexilhões e alguns cortes nos braços e nas pernas.
Mexilhões nos bolsos, ingredientes na mão, paella limpa e lenha no chão. Recomeça a função e entramos também na dança. Pica isso, corta aquilo, cozinha o polvo, limpa a lula. Boas horas de mise en place. Começa a anoitecer e é lindo de ver o fogo aceso e aquela mesa ao lado cheia de pratinhos com ingredientes escolhidos e manipulados com carinho. Depois de pronta, seguramos eu e meu pai a enorme paella e a levamos até a casa de meu tio, também na beira da praia. No
trajeto, ela recebeu alguns toques especiais: a brisa do mar, o perfume das árvores e a luz da lua cheia daquela noite de verão. E de tudo nos alimentamos.
Helena Rizzo é chef do restaurante Maní, em São Paulo, reconhecido como um dos melhores de cozinha contemporânea do país, e consultora do cardápio da TAM, Toque de Chá.
15 comentários:
Taí uma coisa que nunca comi, tal de paella, tudo pq sou alérgico a camarão...sniff. Ninguém aceita fazer sem camarão, é uma coisa herética paella sem camarão, dizem os espertos. Mas já comi arroz com chouriço.
bjs
Você pode então comer a paella valenciana, feita com carne de frango, de porco, chouriço... é uma delícia também, embora eu prefira a marinera. Bjs.
Lindos quadros como sempre. Já ouvi muito falar nessa chefe, que é de origem gaúcha. Saiu uma reportagem grande sobre ela na Vogue Americana e na Vogue Brasileira.
E nós nos pervertendo nos fast foods urbanos da vida. Alimentar-se é muito diferente de comer. Aliás, belas obras.
Que lindos quadros, que formas/cores interessantes para representar as duas cidades, imediatamente soubem qual era uma e qual era a outra.
Adoro a Espanha. Barcelona e a Andalucia são meus sonhos.
Gostei muito dos dois, mas mais ainda do Madrid. O Touro está incrível, forte, movendo-se.
Lucia...
parabéns pela Arte...
muito bonito...
e percebi que significativo...também...
beijo
Leca
Terráqueo
eu não conhecia mas, como gosto de cozinhar, me interesso por receitas e textos como esse. Vou pesquisar sobre ela e outros textos porventura existentes. Mais uma vez obrigada pela informação e pelo carinho com meu trabalho. Bjs.
Obrigada Chorik. Também acho que devíamos cuidar melhor da nossa alimentação. Cozinhar é uma forma de arte e comer bem uma forma de encontrar bem-estar e saúde.
Janaina, Bípede e Leca
Que bom que vocês gostaram. Estes são trabalhos antigos, de 2003. Gosto muito deles. Fazem parte da minha coleção particular, como dizem por aí: acervo do artista. rsrsrsrs Bjs.
Acervo do artista? Deve ser realmente muito difícil se separar da criação!
É verdade chorik, não é fácil às vezes. Mas, como artista iniciante, sem muitos compradores, não passo por esse "dissabor" com muita frequência rsrsrs. Na verdade, quando alguem adquire um quadro meu fico muito feliz por essa pessoa ter gostado do trabalho a ponto de comprá-lo. Então, como diria o poeta, tudo na vida tem dois lados, é uma faca de dois "legumes".
Onde voce tem guardado esses trabalhos que não conheço?
Adorei os dois, mas, se tivesse mesmo que escolher, penduraria Barcelona.
Essa paella me deu água na boca não só pelo cheiro que quase sentí, mas pelo amor, companheirismo, lirismo, no fazer.
Imaginei a cena: é um pequeno conto.
Ivonete
São trabalhos antigos, de 2003.
O texto da paelha me encantou pelos mesmos motivos que encantou você: eu quase pude sentir o cheiro e o sabor, além de descrever uma cena familiar de cumplicidade, intimidade e carinho.
Lucia,
Vi teu quadro no blog do Marcelo e vim visitar teu blog. Gostei muitíssimo do teu trabalho. Fiquei duplamente feliz em saber que o Panopramanga será do Marcelo. Primeiro porque ele ama arte e segundo porque terei o prazer de ver a obra, ao vivo na casa, quando eu for ao Rio.
Bj Margot
Margot
Margot
Obrigada pela visita e pelo gentil comentário. Espero que você goste do quadro ao vivo também. Volte sempre. Bj.
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